quinta-feira, 24 de maio de 2012

A origem agrária do capitalismo



     Dado que os produtores foram explorados pelos apropriadores durante milênios, de maneiras não capitalistas, antes do advento do capitalismo, e dado que os mercados também existiram desde tempos imemoriais e em quase toda parte, como foi que produtores e apropriadores, assim como as relações entre eles, passaram a ser tão dependentes do mercado? A resposta para essa pergunta está na origem agrária do capitalismo. O capitalismo não nasceu na cidade, mas no campo, num lugar muito específico e em época muito recente da história humana. A diferença entre as sociedades pré-capitalistas e capitalistas é que essa nada tem a ver com fato da produção ser urbana ou rural, e tem tudo a ver com as relações particulares de propriedade entre produtores e apropriadores, seja na indústria, seja na agricultura. Essa relação singular entre produtores e apropriadores é mediada pelo mercado e essa dependência do mercado confere um papel sem precedentes as sociedades capitalistas, não apenas como um simples mecanismo de troca ou distribuição, mas como o determinante e regulador principal da reprodução social.


     Afirmar que o comércio foi o determinante para originar o capitalismo é insistir em considerar o princípio básico mercantil de “comprar barato e vender caro” como uma relação capitalista. Esses princípios não-capitalistas de comércio coexistiam com formas de exploração não-capitalistas. Na Europa Ocidental, mesmo nos lugares em que a servidão feudal havia de fato desaparecido, outras formas de exploração “extra-econômica” continuavam a prevalecer. Na França do século XVIII, por exemplo, os camponeses constituíam a grande maioria da população e continuavam a deter a maior parte da posse da terra, os cargos no Estado central serviam de recursos econômicos para muitos membros da classe dominante, como meio de extrair o trabalho excedente dos produtores camponeses sob a forma de impostos. Até os grandes proprietários que se apropriavam da renda dependiam, tipicamente, de vários poderes e privilégios extra-econômicos para aumentar sua riqueza.
    Contudo, a Inglaterra do século XVI vinha se desenvolvendo em direções inteiramente novas. A centralização política singular do Estado inglês tinha virtudes materiais. Já nessa época a Inglaterra dispunha de uma rede de estradas e transportes de água, que unificou a nação num grau incomum na época. A base nacional que fundamentava a emergente economia inglesa era a agricultura que se singularizava de diversas maneiras. A classe dominante inglesa apresentava dois aspectos correlatos. Primeiro, por ter se desmilitarizado fazia parte de um Estado cada vez mais centralizado. Segundo, embora o Estado servisse à classe dominante como instrumento da ordem e protetor da propriedade, a aristocracia não detinha poderes “extra-econômicos” autônomos nem uma “propriedade politicamente constituída” no mesmo grau que seus equivalentes no continente europeu. O que lhes faltava em poderes “extra-econômicos” de extorsão do excedente era mais do que compensado por seus crescentes poderes econômicos.
     Dessa forma, os latifundiários tinham um forte incentivo para estimular seus arrendatários a descobrirem meios de aumentar a produtividade. Os arrendatários não ficaram sujeitos somente as pressões dos grandes proprietários, mas, também, a imperativos de mercado que os obrigavam a aumentar a produtividade. O efeito desse novo sistema de ralações de propriedade foi que muitos produtores agrícolas tornaram-se dependentes do mercado para obter acesso à própria terra, ou seja, aos meios de produção. O resultado foi a famosa tríade composta por latifundiários, arrendatários capitalistas e trabalhadores assalariados, e, com o crescimento do trabalho assalariado, as pressões para aumentarem a produtividade da mão de obra também se intensificaram. A necessidade de suprir essa nova sociedade com produtos que não podiam mais ser fabricados pelos próprios camponeses proporcionou o aumento das relações comerciais e mais tarde o surgimento do capitalismo industrial.

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