O texto que segue é uma transcrição na íntegra do jornal Provincia de São Paulo, de 16 de novembro de 1889, hoje conhecido como o Estado de São Paulo. A leitura sugere uma reflexão sobre o acontecimento que marca o inicio do período republicano na Brasil observando a ênfase dada ao exército e sua importância no processo, o forte apelo popular que não foi característico. Interessante é o fato de que em nenhum momento é citado a participação do setor mais interessado na proclamação da república: as Oligárquias agrárias. Nada muito estranho aos tempos atuais.
Boa leitura!
A
PROVINCIA DE SÃO PAULO
15
DE NOVEMBRO DE 1889
GLORIOSO
CENTENÁRIO DA GRANDE
REVOLUÇÃO
PROCLAMAÇÃO
DA
REPUBLICA
BRAZILEIRA
Recebemos
hontem o seguinte telegrama:
Foi
proclamada a Republica no Brazil. Consta que o governo provisório será
organisado com o general Deodoro e Quintino Bocayuva.
Affirmam
outros que o governo será constituído pelo general Deodoro, Quintino Bocayuva e
Benjamim Costant.
Foi
convocada uma reunião popular para acclamação do governo. O ministério foi
obrigado a assignar a sua demissão.
O
barão de Ladeiro foi ferido e acha-se em perigo de vida.
Logo
que recebemos este telegrama, fizemos distribuir o seguinte boletim:
Cidadãos,
Noticias
da Corte annunciam a proclamação da Republica – a forma de governo que exprime
o sentimento nacional! !
Unamo-nos!
Para garantir a ordem, porque o novo regimen nasce da livre manifestação
popular!
Povo!
O primeiro dever republicano neste momento é ser calmo, previdente, justo,
tolerante, para se enérgico na organisação!
A Republica
significa a paz, o progresso, a civilização.
Unamo-nos
sem distincção de partidos para firmamos esse novo regimen que nos ha de trazer
a gloria, a grandeza e a felicidade!
Viva
a Republica!
Esta
noticia não causou enthusiamo; produziu delírio indiscriptível; nem uma
opposição, nem uma sombra de tristeza, o contentamento foi geral, as
acclamações á nascente Republica traduziam-se por alegres expansões de
patriotismo e de fraternidade! O povo confrate pisava nas ruas, em grandes
exclamações de jubilo.
Pouco
depois recebíamos o seguinte telegrama:
Os
soldados das guarnições arrancaram as coroas dos bonets, conservando apenas o
numero dos regimentos a que pertencem.
Todas
as guarnições adherem ao movimento.
O
ferimento de Ladeiro foi devido mais por imprudencia sua do que por intuito aggressivo. Ministério
deposto.
A família
imperial acha-se em Petropolis.
Nota-se
profundo contentamento popular e preparam-se festas para a acclamação da
Republica. O tenente Vinháes do Paiz tomou conta do telegrapho.
Os
officiaes do exercito fazem em pessoa policiamento para evitar conflictos.
Nunca
uma republica foi proclamada com tanto brilhantismo e em tanta paz.
Em
geral os interesses envadicados de longos séculos pelos interesses dynasticos
offerecem grande resistência á sua eliminação; e por vezes, a Victoria do povo
é marcada pelo sacrificio sanguinolento e terrível. Para explicarmos este
brilhante resultado, só temos uma phrase que synthetisa o movimento todo; e, ao
mesmo tempo, esprime o nosso eterno agradecimento:
Honra
ao Exercito Brazileiro, que acaba de completar a sua acção benefica; iniciada
em 1831, mostrando o caminho do exílio a um tyrano!
Durante
todo o dia o povo permaneceu em constante actividade agitando-se pelas ruas,
inquieto, ancioso a espera do reconhecimento da Republica em São Paulo.
Pelas
5 horas, da tarde, depois de uma conferencia da commissão executiva do partido
republicano, foi o dr. Luiz Pereira Barreto, parlamentar com o presidente da provincia,
afim de saber-se qual a attitude que pretendia manter diante da gloriosa
revolução republicana.
O Sr.
General Couto de Magalhães, para entregar o seu posto impoz apenas a condição
de que chegassem as ordens do governo republicano, constituído no Rio.
De
uma das janellas do Restaurant do Globo, o dr. Rangel Pestana communicou ao
povo esta resolução da presidencia.
O governo
provisorio para São Paulo, indicado pela Comissão Permanente do Partido
Republicano, era composta dos drs. Rangel Pestana, Prudente de Moraes e Coronel
Mursa.
Diante
da resolução presidencial, o povo guardou uma calma digna e ao mesmo tempo patriótica.
A
anciedade publica continuava ainda, quando recebemos o seguinte telegramma:
O povo
reunido no edificio da camara municipal, ouviu a leitura da proclamação da
Republica, na qual não interviram nenhum dos chefes do movimento.
Consta
que o governo provisorio assignou um decreto confiando a família imperial á
guarda do exercito e do povo.
O movimento
revolucionário repercutiu em quasi toda a provincia.
De
Santos recebemos o seguinte telegrama:
O
povo reunido no paço da camara municipal acclamou um governo provisorio,
generalidade da população e as autoridades policiaes, adheriram a Revolução.
Desde
ás 4 horas estão em conferencia os membros do governo composto dos cidadãos A.
Lacerda, A. C. Teles Netto, dr. Martin Francisco Filho, Ernesto Gomes Henrique
Porchat, Manoel Franco Vianna, Walter Wright, dr. Leão Ribeiro, José Azurem
Costa, e Guilherme Souto.
Ás
onze horas grnde massa de povo reunida no Club Republicano, proclamou o governo
provisorio, composto dos cidadãos Rangel Pestana, Prudente de Moraes e coronel
Mursa.
O
dr. Prudente de Moraes e Rangel Pestana declaram acceitar posto em que os
collocava a confiança popular, convidando ao mesmo tempo o povo para assistir
hoje ás 11 horas a proclamação official da Republica, na camara municipal.
As
sacadas do club achavam-se diversos officiaes do 10º regimento de cavallaria,
desfraldando um delles a bandeira republicana.
O
Dr. Bernardino de Campos declarou que a Commissão do Partido tomava a si o
policiamento da cidade, que com effeito foi logo posto em pratica.
Reina
grande jubilo em toda a população.
Viva
a republica!
De
Campinas foi-nos expedido os seguinte despacho telegraphico:
Saudamos
a Provincia de São Paulo pelo advento de Republica Brazileira!
Outro
telegramma de Santos:
O
povo Santista reunido congratula-se pelo advento da Republica.
Reina
completa ordem.
Viva
o Exercito!
A
noite recebemos mais a seguinte communicação do Rio:
A cidade
está em plena paz, reinando grande jubilo por parte do povo todo.
O povo,
o Exercito e a armada vão installar o governo provisorio, que consultará a
nação pela convocação de uma constituinte.
Ha
geraes acclamações á Republica.
A versão
mais corrente sobre o movimento é a seguinte:
O general
Deodoro, emfermo hontem, tendo synapismo nos pés soube a meia noite que a
segunda brigada tencionava fazer pronunciamento de revolta. Pela madrugada dirigiu-se
a S. Christovam e voltando ao Campo de sant’Anna viu aproximar-se o barão de
Ladario.
Ordenou
ao official que fosse entender-se com o ministro, usando de toda cortezia.
O oficial
limitou-se a dar voz de prisão de Ladario. Este, sem responder, disparou o
revólver contra official. O general Deodoro gritou ao official que não o
mattassem, porém, não pôde evitar os tiros que feriram o barão.
Abertas
as portas do quartel todas as forças reunidos confraternisaram-se levantando
vivas ao general Deodoro.
Foram
dadas diversas salvas de 21 tiros, annunciando a Victoria do movimento.
Os
ministros numa sala, ahi ficaram até uma hora da tarde e depois que assignaram
a demissão foram mandados embora.
Neste
momento acaba de ser prezo o conselheiro Affonso Celso.
Foram-nos
ainda enviados muitos outros telegrammas, quer do interior quer do Rio e que
não publicamos porque falta-nos o tempo para a expansão do jubilo.
Rio,
15 ás 12 50 da madrugada.
No
Paço ha muita gente, conselheiro de estado etc
O
imperador mandou os srs. Dantas e Correia conferenciarem com o General Deodoro.
Corre
o boato de que o motivo da prisão do Sr. Affonso Celso foi elle não ter
cumprido com a palavra dada ao general Deodoro de ir tratar dos passaportes
para a Europa, indo ao Paço conferenciar com o imperador, indicando o sr.
Siveira Martins para organisar ministerio!
Consta
acharem-se presos também o sr. Candido de Oliveira aqui e o sr. Silveira
Martins em Santa Catharina.
O
povo passa cantando a Marselheza.
O
general Deodoro destacou rondas para guardar os bancos.
O policiamento
da cidade está sendo feito por praças do exercito e do corpo da policia.
Governo
provisório aclamado na Camara Municipal: Deodoro, Benjamin Constant,
Wandenkolk, Jardim e Quintino Bocayuva.
Consta
que foram nomeados: chefe provisorio do Rio Grande do Sul o visconde de Pelotas
e membros do governo provisorio Julio de Catilho e Ramiro Barcellos.
Foram
dissolvidos o Senado, a Camara e o Conselho de Estado.
Santos,
15 á 1 50:
O
governo provisorio constituido em
Santos, obtida a adhesão de todas as autoridades, communica que acha-se a
cidade em paz funccionando theatro e mais divertimentos públicos no meio de
regosijo geral.
Viva a Republica!
PROCLAMAÇÃO
Revive
a Nação! Pelo seu orgam o mais
autorizado – o POVO! – foi proclamada a Republica no Paiz!
Já
annunciada pelas manifestações da Opinião Publica, profundamente radicada na consciencia
nacional, apparece agora como um facto consummado!
Sob
a BANDEIRA DE REPUBLICA desapareceram os velhos Partidos e unem-se todos
BRAZILEIROS para a felicidade da Patria.
Chegou
o período da organisação, e é preciso que todos os homens de boa voontade se
congreguem para salvar a patria do perigo que ia correndo. A generosidade do
POVO BRAZILEIRO, o seu amor á ordem, o seu espirito de paz garantem desde ja a
mais completa tranquilidade no novo regimen de paz, de justiça e de concordia!
O POVO,
no exercicio da sua soberania, acclamou o GOVERNO PROVISORIO que se esforçará
para manter firme esse regimen. Sem odios, sem velhos resentimentos, distribui
á justiça, levará a todos os pontos da provincia o sentimento que domina a
NAÇÃO neste novo periodo que se lhe abre, cheio de esperanças que se hão de
tornar uma realidade, affirmando a grandeza, o progresso e a civilização da
PATRIA.
Unamo-nos,
CIDADÃOS! e prestemos culto á Liberdade, á Justiça, á Egualdade e á
Fraternidade, que devem prender os membros de uma grande Nação.
Viva a nação Brazileira!
Viva a Republica!
Viva o Exercito!
Viva a Armada!
Viva a Provincia de São Paulo.
Rangel Pestana.
Prudente de
Moraes.
O Coronel Mursa
não assigna por estar ausente.
fonte: http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/18891116-4373-nac-0002-999-2-not
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