Há
um mundo anterior e outro posterior à Revolução Francesa. A Revolução Industrial transformou as
relações de trabalho e impulsionou os setores econômicos, mas a Revolução
Francesa atingiu mais fundo. O movimento de 1789 alterou o cotidiano da
população, modificou o conceito e o vocabulário do nacionalismo, forneceu
códigos legais, um sistema de medidas, enfim ela forneceu a ideologia
transformadora que rompeu barreiras, inclusive dos países que resistiam às
ideias europeias.
O
final do século XVIII foi marcado por uma série de revoltas e agitações
políticas nos diversos cantos do planeta. Colônias buscavam autonomia, Estados
lutavam por independência e no meio de tudo isso a Revolução Francesa pode ser
apontada como a que teve maior alcance e repercussão. A crise do antigo regime
não se limitou a França e nem a Revolução Francesa foi um fenômeno isolado,
contudo suas consequências foram mais profundas. Primeiro porque aconteceu no
mais populoso e poderoso Estado da Europa, em segundo ela foi muito mais
radical que outras revoltas que a precederam e em terceiro a revolução Francesa
foi a única marcada por uma caráter ecumênico. Enfim, a Revolução Francesa é um
marco em todos os países.
A Revolução Francesa foi a revolução do seu
tempo. É preciso entender suas origens e as condições para que ela eclodisse na
França. A primeira coisa a ser feita é procurar suas condições gerais na
situação específica da França e não na Europa em geral. Rival econômica da
Grã-Bretanha, a França, viu o crescimento da influência política e o avanço
econômico alcançado pelos ingleses. Houve tentativas de alavancar a economia
francesa como as propostas de Turgot, o problema é que essas ações esbarravam
na máquina administrativa da monarquia absolutista. Os nobres franceses gozavam
de privilégios como a isenção de vários impostos e o direito de receber
tributos feudais, porém a monarquia absoluta havia destituído os nobres de sua
independência e responsabilidades políticas delegando à classe média ascendente
as funções administrativas. No decorrer desse processo os nobres observaram o
esvaziamento de suas riquezas e passaram a pleitear as funções oficiais
exercidas pela classe média. Resultado desse processo foi o conflito entre a
estrutura oficial com interesses estabelecidos no Antigo Regime e as novas
forças sociais ascendentes. Esse fenômeno foi mais agudo na França.
Usando seus direitos feudais a nobreza não
exasperava somente a classe média, mas atingia profundamente através da
extorsão o campesinato. Essa classe que representava 80% da população da França
e enfrentava os problemas econômicos e sociais que lhes eram impostos. Em geral
o campesinato era formado por homens livres e proprietários de terras, ainda
que não em grandes extensões. Os tributos e taxas tomavam proporções cada vez
maiores e consumiam grande parte da renda do camponês.
A
Revolução começou como uma tentativa de recapturar o Estado. Captura essa
empreendida pela aristocracia e pelos parlaments
e não fosse pelo desprezo à profunda crise socioeconômica que suas exigências
acarretavam e por ter subestimado a força do Terceiro Poder a nobreza poderia
ter alcançado seus objetivos. Mas, a Revolução não foi realizada por um grupo
organizado ou por um partido e nem chegou a apresentar lideres que conduzissem
as massas rumo à revolução. Um grupo foi responsável por dar a unidade efetiva
ao movimento revolucionário. A “burguesia”. Suas exigências foram norteadoras
da famosa Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. A
característica marcante desse documento é ser contra a sociedade hierárquica e
de privilégios da nobreza, mas não um manifesto a favor de uma sociedade
democrática e igualitária. O burguês liberal clássico não era democrata, mas
sim um devoto do constitucionalismo, de um Estado secular com liberdades civis
e garantias para a empresa privada e de um governo de contribuintes e
proprietários.
O
objetivo da vitoriosa burguesia moderada, que havia se transformado na
Assembleia Constituinte, era promover a racionalização e reforma da França.
Suas perspectivas eram inteiramente liberais, porém dava pouca satisfação ao
povo comum. Em 1791, a Constituição colocou de lado a democracia excessiva com
um sistema monárquico constitucional baseado num direito de voto dos “cidadãos
ativos”. A incontrolada economia de livre empresa dos moderados acentuou as
flutuações dos preços dos alimentos e, consequentemente, a militância dos
pobres das cidades, especialmente Paris.
A
guerra que eclodiu em seguida agravou a situação e transformou a história da
Revolução Francesa na história da Europa. Duas forças protagonizaram os atos
que levaram a França a uma guerra geral: a extrema direita e a esquerda
moderada. A nobreza, a aristocracia e clero depositava sua esperança de
restauração em uma intervenção estrangeira que restituísse o Antigo Regime e
mais do que isso, bloquear a difusão das ideias perturbadoras projetadas a
partir da França. Para os franceses em geral e para seus simpatizantes no
exterior, a libertação da França era simplesmente o primeiro passo para o
triunfo universal da liberdade. Havia entre os revolucionários, moderados e
extremistas, uma paixão generosa e genuinamente exaltada em difundir a
liberdade.
Contudo,
a guerra também favoreceu a solução de problemas domésticos. Sob a ameaça de
intervenção estrangeira os homens de negócio argumentavam que as incertezas
econômicas, a moeda desvalorizada e outros problemas só seriam sanados com a
dissipação dessa ameaça. Logo passaram a ver o quanto lucrativa a guerra
poderia se tornar. A guerra proporcionou uma relação entre a Revolução, a
libertação, a exploração e a direção política. No decorrer de sua crise a jovem
República Francesa descobriu ou inventou a guerra total; a plena mobilização
dos recursos de uma nação com o recrutamento, o racionamento e uma economia de
guerra rigidamente controlada, e a virtual abolição, dentro do país e no
exterior, da distinção entre soldados e civis.
Os
dois grupos, sans-culottes e girondinos, apresentavam divergências quanta ao
governo revolucionário de guerra. O primeiro saudava esse tipo de governo
porque entendiam que só dessa forma poderiam defender a frança de uma contrarrevolução
e da intervenção estrangeira e, também, que através de sues métodos alcançavam
uma maior mobilização do povo e se aproximavam mais de uma justiça social. Os
girondinos por sua vez, temiam as consequências políticas da combinação de uma
revolução de massa com a guerra que eles provocaram. Além disso, não estavam
preparados para combater e vencer a esquerda. Em 2 de junho de 1793, o golpe
dos sans-culottes derrubou a Gironda.
Para
a maioria da Convenção Nacional a escolha era simples: ou o Terror, com todos
os seus defeitos do ponto de vista da classe média, ou a destruição da
Revolução, a desintegração do Estado nacional e provavelmente o desaparecimento
do país. E não fosse a desesperada crise da França muitos deles teriam
preferido um regime menos ferrenho. Quando os jacobinos ascendem ao poder o
governo do Terror é levado ao seu ápice. A primeira tarefa do regime jacobino
foi mobilizar o apoio da massa contra a dissidência dos notáveis da província e
dos girondinos, e preservar o já mobilizado apoio de massa dos sans-culottes de
Paris. Uma nova Constituição foi proclamada e deu ao povo o sufrágio universal,
o direito de insurreição, trabalho ou subsistência e, o mais importante, a
declaração oficial de que a felicidade de todos era o objetivo do governo e de
que os direitos do povo deveriam se não somente acessíveis mas também
operantes.
O
jacobinos aboliram sem indenização todos os direitos feudais remanescentes,
aumentaram as oportunidades para o pequeno comprador adquirir terras confiscadas
dos emigrantes e aboliram a escravidão das colônias francesas. O erro jacobino
foi o de não estimular o crescimento econômico ao estabelecer uma economia que
girava em torno de pequenos e médios proprietários de terra, pequenos artesãos
e lojistas economicamente retrógrados. Forçando a transformação capitalista
agrária da agricultura e da pequena empresa a caminhar lentamente dificultando
a urbanização, a expansão do mercado doméstico, a multiplicação da classe
trabalhadora e o consequente avanço da revolução proletária.
O
problema que a classe média francesa
enfrentava no Período revolucionário (1794-99) era como e de que forma alcançar
a estabilidade política e o avanço econômico nas bases do programa liberal de
1781-91. As rápidas alternâncias de regime foram tentativas para se manter a
sociedade burguesa, evitando, ao mesmo tempo, o duplo perigo da República
Democrática Jacobina e do Antigo Regime. A solução foi o exército francês. A
inatividade era a única garantia segura de poder para um regime fraco e impopular,
mas classe média necessitava de expansão. O exército resolveu este problema,
aparentemente insolúvel. Ele conquistou; pagou-se a si mesmo e, mais do que
isto, suas pilhagens e conquistas resgataram o governo. Sem grandes recursos o
exército francês adotou a tática de guerras curtas e vigorosas, pois era o
único modo viável de se fazer a guerra. Outro fator importante do exército era
proporcionar uma carreira aberta pelo talento das revoluções burguesas. O
exército foi o pilar do governo pós-termidoriano e Napoleão uma pessoa adequada
para concluir a revolução burguesa e iniciar o regime burguês.
BIBLIOGRAFIA:
HOBSBAWM, Eric J. A Revolução Francesa. Rio de
janeiro: Paz e Terra, 1996
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