segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Da Monarquia à República


Apesar de terem sido influenciados pelos princípios liberais os movimentos que determinaram a independência e, posteriormente, a proclamação da república do Brasil não possuíam as mesmas características dos movimentos europeus. O Brasil não possuía uma burguesia, dessa forma seus ideais liberais eram regidos pela mentalidade de sua aristocracia rural e de uma elite revolucionária. O grande entrave do liberalismo no Brasil era a escravidão. O medo de uma revolta dos negros impedia que os princípios de igualdade de direitos fossem aplicados, até mesmo dentro dos movimentos, como a “Conjuração Baiana” havia a preocupação de uma insurreição dos escravos que reproduzisse no Brasil o ocorrido no Haiti. Outro fator que diferenciou o liberalismo no Brasil do europeu foi a participação da igreja, era freqüente a atuação de padres insatisfeitos com a submissão da igreja à coroa nesses movimentos, um grande exemplo foi o Frei Caneca.

Como a maioria dos movimentos revolucionários de independência tinham a característica de serem regionais, tornavam muito difícil a implantação da idéia de unidade nacional e de nacionalismo no Brasil. As relações entre os “branquinhos do Reino” e os “mestiços” era caracterizada por um “antiportuguesismo”¹ e por hostilidades entre os grupos. A população nativa e mestiça enxergava nesses movimentos a possibilidade de conseguirem derrubar os bloqueios que existiam e os afastavam de cargos, das universidade e do clero, ou seja, enquanto na Europa a liberalismo era uma luta da burguesia contra a monarquia absolutista, no Brasil, a grande massa de escravos e mestiços encaravam a Independência e sua liberalidade como uma luta contra os brancos e seus privilégios.

sábado, 27 de agosto de 2011

Independência e Independências


O processo de independência do Brasil foi desencadeado pela vinda da família real portuguesa e sua corte para a sua colônia na América. As transformações na sociedade e no sistema colonial foram enormes. Foi preciso, para pagar o apoio inglês, abrir os portos do Brasil para seus produtos dando-lhes, ainda, benefícios alfandegários que dariam fim ao “pacto colonial”. O que foi de extremo prejuízo para a metrópole, foi de efeito contrário para a economia do Brasil e “por essas razões, se costuma afirmar que nossa independência teria ocorrido em 1808 e que 1822 teria representado apenas sua consolidação.”¹ A Revolução do Porto forçou o retorno do rei para Portugal que, por sua vez, deixou D. Pedro I como príncipe regente do Brasil junto com pessoas de segmentos importantes que vieram com ele de Lisboa.

Aspectos da formação do Estado brasileiro

O fato que precipitou a formação do Estado brasileiro foi a guerra estabelecida na Europa sob o comando de Napoleão. Em um extremo da luta estava a França, com seu avanço sobre o continente, e no outro a Inglaterra, a grande potência da época. Oprimido entre ambas estava Portugal que ora se mostrava a favor de uma, ora da outra e o resultado dessa imparcialidade culminou na vinda da corte portuguesa para sua principal colônia, o Brasil. Com a instalação da realeza em terras tupiniquins era necessário elevar a condição da colônia, e para isso foi preciso erguer um Estado à imagem e semelhança do Estado português juntando a nobreza migrada com a elite local, medidas estas que viriam a desencadear o processo de independência.

sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A etiqueta no Antigo Regime


Para a palavra etiqueta, do francês étiquette, cabem duas definições. Pode se referir ao conjunto de normas e condutas sociais ou ao rótulo de um produto, por exemplo. Nesse texto discutiremos a primeira definição. Do século XV ao XVIII a etiqueta viveu o seu apogeu, foram grandes e muitas as modificações nos costumes, na conduta e na sociabilidade da Europa ocidental durante esse período. Nascida no seio de uma nobreza que ultrapassava a linha do feudalismo em direção à monarquia, a etiqueta foi o instrumento criado por uma classe dominante que tinha como principal objetivo destacar a que classe social cada pessoa pertencia.

Em uma sociedade onde usar as mãos para pegar os alimentos à mesa era a regra, o garfo, algo não conhecido, se fazia desnecessário. Dessa forma, podemos imaginar que os modos à mesa adotados por nobres e plebeus não seriam muito diferentes e, sendo assim, pelo menos na maneira de se alimentar as classes eram equiparadas. Tannhauser (século XIII) e Erasmo de Rotterdam (século XVI) teceram críticas sobre o comportamento rústico dos nobres constatando o ponto de semelhança entre a aristocracia e a plebe. Se os hábitos alimentares eram diferenciados, pois estabelecia-se carne somente para a nobreza e legumes para os pobres, o comportamento também deveria ser diferente.

Objetos simples como garfo e lenço foram inseridos na cultura nobre, Luis XIV foi o primeiro a ter uma coleção de lenços. Anteriormente vistos como atos naturais cuspir, bocejar, coçar-se e soltar gases foram transformados em ações indecentes, primeiro por conceitos religiosos, em seguida tratados com gestos que denotavam falta de higiênico e, por fim, como ações que atentavam contra a saúde, mas tudo em prol do estabelecimento das boas maneiras. A criação dessas “boas maneiras” interferia diretamente nas relações sociais tornando-as mais agradáveis e submetendo aqueles que não faziam uso delas a uma dominação política. No refinamento das boas maneiras, ficava mais claro quem era inferior e quem era superior. O grande problema para a nobreza era que boas maneiras eram fáceis de serem imitadas, o que levou a sociedade do Antigo Regime a criar o meio ideal de destacar as classes sociais: a moda. O luxo separava as classes, mas quem tinha dinheiro imitava e a aristocracia para manter os intrusos longe de sua convivência inovava. A moda mudava rapidamente, a elegância custava caro, porém bastou aparecerem novos centros de criação da moda para abalar a supremacia do gosto nobre.

Ser educado e bem vestido apenas, já não tornava o indivíduo uma pessoa de etiqueta. Era preciso agora construir uma imagem para requerer e angariar prestígio e foi na formação do Estado onde a nobreza concentrou o poder na figura do rei e fez do seu convívio com o monarca o mecanismo de sustentação de sua posição privilegiada. Foi com o ritual de juramento de homenagem que as relações entre o rei a corte eram estabelecidas. A etiqueta ganha força, com ela surge o ritual de adoração ao príncipe e outro problema: as disputas por precedência dos inflados egos dos nobres. Quem sentaria próximo ao rei? Quem cortaria a carne? Quem teria a primeira palavra? Tudo isso só foi resolvido, ou melhor, acalmado, quando a cortesia entre os iguais começou a ser valorizada. A etiqueta além de prever quem primeiro estenderia a mão para um cumprimento, abria a iniciativa à cortesia: “a honra não está apenas em ser o primeiro, está muitas vezes em saber ceder este lugar. É honroso honrar, ou só tem honra quem pode oferecê-la.”¹

No entanto o nobre ainda precisava de algo que pudesse garantir a conquista da honra e em virtude disso a figura do cavaleiro mostrou-se como a chave para essa questão. O rei Artur, Camelot e os Cavaleiros da Távola redonda são os símbolos da idealização da honra. Ser um cavaleiro era fazer parte de uma ordem restrita, afinal, para se tornar cavaleiro era necessário que quem já o fosse o arma-se, inclusive se o candidato a cavaleiro fosse o próprio rei. A ordem era uma fraternidade e tinha traços sagrados, já que era modelada nas ordens religiosas. Contudo, tudo que se fazia girava em torno daquela que sustentava toda a etiqueta do Antigo Regime: a Honra.

A honra por sua vez não era apenas um estilo de vida, mas também o princípio de poder da nobreza. Nessa sociedade a honra está reservada aos nobres, “é privilégio da nobreza: na Inglaterra o plebeu devia jurar nos tribunais, mas não o aristocrata, cuja palavra bastava”¹. Outro fato era que a honra não gozava dos valores do cristianismo, pois mesmo que não houvesse a intenção aquele que se sentisse ofendido tinha todo o direito de defender sua honra. E para isso foram criados os duelos, apesar de serem falhos, pois vencia o mais hábil e não o mais justo ameaçando o andamento da justiça e a autoridade do rei. A proibição dos duelos tornou-se um dilema para os nobres franceses, pois segundo Montesquieu “as mesmas leis da Honra obrigam um homem de bem a vingar-se quando foi ofendido, mas, por outro lado a justiça castiga-o com penas mais cruéis quando se vinga. A seguir as leis de Honra, morre num cadafalso; a seguir as da justiça, é banido para sempre da sociedade dos homens. Só há, portanto, esta cruel alternativa, ou morrer, ou ser indigno de viver”.

“A honra que nos interessa estudar é, então, a dos nobres.”¹ Depois de concentrado o poder nos reis e nos grandes príncipes a Europa se enriquece, fortalece os poderes maiores e impõe, pela igreja, uma trégua e a paz de Deus. E no meio disso tudo estão os cavaleiros que, agora, não encontram espaços para suas antigas atividades - a guerra e as pilhagens - pois, passaram a ser assunto de Estado e para saciarem a sede de guerrear eles desenvolvem as justas, os torneios de cavaleiros, e a memória. Era preciso manter a honra do nobre cavaleiro e, para tal, as vitórias nesses torneios serviram para conquistar ou sustentar a honra e perpetuar a memória de tais ações. Existiam outras concepções que atribuíam honra a alguém: a honra que deriva do sangue, ou seja, aquela que é hereditária; a honra obtida pelas virtudes, o valor pessoal enobrece; a honra adquirida, dada por aquele que tem o poder de honrar, por exemplo, um rei; ou ainda se podia aumentar a honra se desonrasse o outro, um bom exemplo dessa prática era o personagem D. Juan. E para curar as desonras sofridas o melhor remédio era o sangue do ofensor, “o sangue tem suas virtudes: derramado ou exposto, retempera a honra, dá coesão à nobreza”¹, mas a vingança era condenada pela lei e os duelos proibidos pelo rei, então, é dessa forma, que no absolutismo florescerá a etiqueta. Foi com ela que os reis domesticaram a honra, é na satisfação dos reis consigo, mais que na espada do duelista, que o nobre vai sentir-se honrado.

Entretanto, as normas de conduta que formavam a etiqueta européia não se apresentavam uniformes em todos os governos. Havia uma diferença, por exemplo, entre a etiqueta na França e na Espanha e a grande diferença entre esses dois reinos era a condição que cada um dava à mulher. O desperdício, por outro, lado era inerente a todas elas e gastar descontroladamente, mesmo que os levassem a ruína, era sinal de prestígio, era honrado. A etiqueta também não alimentava as afeições, as mulheres casadas deviam evitar qualquer contato com outro homem para não causarem intrigas em seus matrimônios. A etiqueta era construída com artificialidade, seguindo uma de suas etimologias, era dar a “cada um seu rótulo e tornar visível e estável a hierarquia social”¹. A posição não pertencia ao individuo, mas ao título. A etiqueta retratava a corte e todos inclusive o rei aferia seu prestígio através dos outros.

Luis XIV foi quem melhor representou a ostentação da etiqueta, ele soube como ninguém implantar a etiqueta como instrumento de dominação. A monarquia absolutista era o ambiente perfeito para desenvolver as regras da etiqueta, mas quando a degradação desta formação social começa a se formar, os próprios reis desconhecem a importância dos rituais que os antecessores instituíram. Uma nova face surge no ventre da sociedade, a burguesa. E com ela novas concepções de etiqueta, com a apropriação pela burguesia a etiqueta é, agora, instrumento de ascensão social - “Sob o antigo Regime, a etiqueta fazia parte da representação social... Já os burgueses, porém, movem-se nas boas maneiras como em terreno minado”¹. A etiqueta torna-se uma arma de competição de classes, deixando de ser um rito prazeroso de reiteração da ordem social.

¹RIBEIRO, Renato Janine. A Etiqueta no Antigo Regime. 4 ed, São Paulo: Moderna, 1998